quarta-feira, 15 de abril de 2015


O interesse pelo desenho infantil data de fins do século XIX e tem sido objeto de estudo de educadores (Genishi, Stires & Yung-Chan, 2001), psicólogos e psiquiatras (Freud, 1965/2002), fonoaudiólogos e artistas plásticos (Luchesi & Reily, 2007) entre outros especialistas, pelo fato de a representação pictográfica ser considerada um meio para o acompanhamento e compreensão do desenvolvimento da criança. O desenvolvimento deste campo de estudo deve-se ao fato de que a imagem, em todas as suas formas, vem ocupando um papel cada vez mais importante na comunicação e interação social, e constitui-se como um recurso visual bastante utilizado pela criança. 
De um lado, a revisão da literatura1 mostra autores como Mèredieu (1974/1994) e Greig (2004), entre outros, que tendem a examinar a criança desenhando sozinha e a focalizar o produto em vez do processo. De acordo com Silva (2002), nessas concepções teóricas, a produção de desenhos é referida como um processo desvinculado do meio social e da cultura, sem uma preocupação mais detalhada em relação às suas influências ou participações no curso das transformações gráficas.
De outro lado, diferentes estudos, desde Klein (1952/2003) a Braswell (2006), compartilham da opinião de que o impacto dos eventos interativos, especialmente nos processos de linguagem durante a atividade de desenho, indica a necessidade de revisão da ênfase maturacionista nas discussões sobre o tema. Ainda nessa linha de pensamento, autores como Ferreira (2005) e Araújo e Lacerda (2006, 2008 a, b) conferem à perspectiva Histórico-Cultural a fundamentação do desenho como atividade sígnica que pode promover na criança, por meio das interações sociais e das mediações semióticas, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
A relação entre linguagem e funcionamento psicológico superior, como elementos fundamentais na ontogênese, traz questionamentos pertinentes sobre o modo como sujeitos que apresentam peculiaridades no seu desenvolvimento se constituem em face das dinâmicas simbólicas e sociais específicas que vivenciam. Seguindo essa linha argumentativa, é interessante pensar a surdez como esfera emblemática para a discussão de aspectos conceituais nessa perspectiva teórica, pois a especificidade linguística enfatiza o debate no que se refere à vinculação entre formação subjetiva, identidade e desenvolvimento.
Nesse sentido, ressaltam-se as discussões em torno da surdez, que vêm ganhando espaço nos últimos anos, tornando-a  um tema de maior interesse de pesquisa no Brasil no final dos anos de 1980. De lá para cá tem havido mudanças significativas no tratamento do assunto, iniciadas com estudos nas áreas da Educação, da Linguística, da Filosofia, da Antropologia, da Medicina, da Bioengenharia, da Fonoaudiologia, entre outras. Cada área de conhecimento passou a preocupar-se com determinados aspectos da surdez (audição, escrita, oralidade, língua de sinais, bilinguismo, cognição, eficácia de novos dispositivos eletrônicos, implante coclear, por exemplo) e os conceitos de pessoa surda sofreram modificações no sentido de reconhecê-la na sua diferença linguística, e não como portadora de uma deficiência.
A literatura mostra que não existe uma abordagem única acerca das concepções de linguagem que permeiam os diferentes estudos clínico-terapêuticos e educacionais da surdez. Por muito tempo, as áreas da saúde e da educação tiveram suas práticas fundamentadas nos modelos com ênfase maturacionista de aquisição de linguagem. Estas práticas, ainda atuais, adotam a vertente tecnicista, pressupondo uma linguagem adulta, pronta, acabada e estática, sem considerar o espaço conjunto de construção dialógica nos contextos terapêutico e pedagógico. Tais práticas, porém, não permitem uma ação que assuma a linguagem em toda a sua amplitude, reduzindo a linguagem do surdo à sua produção articulatória e privando-o de um desenvolvimento pleno.
Talvez como consequência do insucesso constatado em muitos casos e da busca por conhecer e interagir com o homem como sujeito que se comunica, surge o interesse em se "considerar a linguagem humana em funcionamento, compreendendo a linguagem como constitutiva do sujeito, preocupada com as interações entre os interlocutores e os modos como ela se dá, focalizando modos de construção; das práticas enunciativas e discursivas" (Lacerda & Mantelatto, 2000, p. 36).
Nesse contexto, emerge a proposta da abordagem bilíngue de atenção à pessoa surda. Esta abordagem é um modelo educacional de aspecto socioantropológico e sugere que a criança deve ser exposta o mais precocemente possível a uma língua de sinais, identificada como sua língua natural (nascida na comunidade surda), passível de ser adquirida sem condições especiais de aprendizagem. Preconiza, ainda, que também seja ensinada ao surdo a língua da comunidade ouvinte na qual se encontra inserido, na modalidade oral e/ou escrita, sendo que esta será ensinada com base nos conhecimentos adquiridos por meio da língua de sinais. Assim, este modelo tem como prerrogativa o direito do surdo de utilizar duas línguas: no caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) na dimensão de primeira língua, e o português, como segunda língua.
Com tais considerações, propõe-se neste estudo um modelo clínico e educacional em um cenário definidor da subjetividade, como lugar da constituição dos significados. O profissional aqui é visto como clínico, terapeuta, pedagogo ou investigador comprometido com o desenvolvimento da linguagem e colocado na centralidade das práticas interpessoais e dialógico- conversacionais, e neste compromisso ele vê a linguagem singularmente - caracterizada por sua heterogeneidade e composições enigmáticas - em que o seu funcionamento remete ao simbólico.
Para tanto, este artigo embasa-se na perspectiva histórico-cultural para discutir o desenho infantil como esfera sígnica visual promotora e facilitadora do processo de significação para a criança surda, com aquisição tardia de língua e linguagem. Tendo-se em vista aprofundar e investigar os pressupostos teóricos desta perspectiva, reconhecer as peculiaridades linguísticas dos sujeitos surdos, privilegiar a língua de sinais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e nos processos interlocutivos compreendidos em seus aspectos históricos e culturais, enfatiza-se a importância da experiência e vivência simbólica da criança surda, com o objetivo de fundamentar uma prática clínica e educacional comprometida com vários aspectos do desenvolvimento necessários à constituição da criança surda

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